terça-feira, 22 de abril de 2014

The end

Aqui termina a transcrição do livro

É claro k a história continuou. 
Mas preferi vivê-la. 
Dei um não definitivo a todas as k s tornaram musas, 
até a própria deusa recebeu uma quase indiferença, 
à falta de melhor termo, 
quando jogou na malicia 
pensando talvez o passado em cristal. 
Fiz as malas, 
avisei toda a gente, 
fretei os colegas de trabalho e a carrinha 
e mudei-me para a cama de vallis, 
ela de minha mãe recebeu uma camisa de noite azul 
sinal de k a tratava com flores de laranjeira. 
Se deixei musas e deusa foi 
pk deixei d acreditar em ilusões e 
fui viver a realidade de um amor proletário. 
Amámo-nos tanto 
e desejámos morrer e matar o outro tantas vezes
'casámos' duas vezes
fomos rei e rainha de latão
não foi a morte que nos separou
mas talvez 
até tu hoje possas cantar como eu:

Liberdá de liberdá de!

77.

Ok... não sei como escrever isto.
Ando há dias a pensar,
tenho-me lembrado de algumas frases-conclusão
mas tenho adiado,
tenho dito a mim próprio:
escrever um livro em forma de diário... praquê?
Ok, para ordenar as ideias ok mas...
já sei!, encontraste pequenos fragmentos
com sentimentos como:
era bom que o telefone tocasse
mas...
ele hoje até toca, ou melhor tocava
e tu retiraste o volume ao toque de chamada
porque te era insuportável ouvir tocar
cons tan te mente
houve um dia que ela telefonou oito (8!?) vezes
desde a uma às oito da manhã
por isso imagina o não poderes dormir
e então desliguei o som
porque não suportava
houve muita coisa que não suportei
mesmo que algum paraíso alguma magia ter havido
mas durou um mês
terminou quando lhe disse que tinha dela pena
o dinheiro escasseou
a paixão terminou
ficou o peso da responsabilidade
de ter alguma culpa se algo lhe acontecesse
os anos seguintes foram desatinos
empréstimos a fundo perdido
choros ameaças
e pouco sexo
mas nem tudo foi mau e a verdade:
ela salvou-me
sem o saber fez-me ver que
vivi o meu passado como uma ilusão e que
tinha que perder a ilusão, tinha que me 'desiludir'
para viver uma realidade de verdade
mas esta?!
A verdade fica: ela disse que eu não lutei o suficiente
outra verdade: ou vai ou racha, tenho de
dar um passo em frente
ir morar de facto com ela
terminar o bacharelato chama-lhe dispensa sabática
chama-lhe perversão de teres meio cérebro
ocupado por uma mulher invisível
e na verdade esta mulher real
( Vallis o seu nome ) quase me faz acreditar
num casamento sem aliança ou papel
mas fizeste esta relação temporária
porque depois de qualquer grave sempre discussão
sobre qualquer coisa comezinha
(aquilo que os poetas do sistema chamam a vidinha)
eu não suporto os teus olhos furibundos espumando-se
de raiva
então saio de casa para comprar pão
a dizer que era temporário
ou que será necessário utilizar
um plano de cinco anos soviéticos
para te fazer um upgrade à consciência e ao teu
'environment' em inglês
e tu hoje só sabes dizer 'lol'
outras vezes dizias que eu queria liberdade
e eu te dizia que o amor não tem de ser uma prisão
mas tu ficas com ciúmes
deixei de gostar de te levar a sair
quando fizeste um recital inquisitório num espaço público
pareciam as galinhas a dar bicadas no garnisé
enfim...
sem muita paixão
reagindo bruscamente
desligando o ouvido quando ela acusava
encharcando-me de axn
aguentei reflecti pareço um otário
o fim próximo mas mesmo nestes momentos pensava:
eu estou a abandonar todos os meus interesses
para me dedicar à causa de a ajudar
a ter mais estudos, mais cultura, mais trabalho,
mais comida, uma bifana, uma cerveja de vez em quando
e com todos os avisos em contrário
ou vai ou racha
vá lá faz as pazes faz amor
mas como pode haver amor?
até de cobarde me chamou, de velho
e passou-se quando eu disse:
deves pensar que és uma topmodel...
tudo correcto
ela nos momentos de fúria esquece
todo o bem que lhe fiz
e só se lembra do mal
e ataca-me
e pôe-me como culpado de todo o mal
que lhe fizeram na vida durante e antes de mim
até tive culpa de ter tido namoradas antes dela aparecer...
ufa que vai longo
vou-me anulando até ao limite
o superego chega finalmente no último domingo:
andor desampara-me a loja
estou farto de me obrigares a ser mau contigo
porque tu és uma burra que não quer perceber!

Passo a desligar o volume de toque de chamada
dezenas de chamadas por dia
mensagens de chantagem suicida
pensa que tenho outra
porque toda a gente pensa quando não sabe os pormenores
compro-lhe um aspirador
e o que recebo em troca são mais do mesmo
eu quase já sem pena o amor a ir-se
quem me dera poder tomar um café em paz e sossego...
andor!
mas ela finória recaptiva-me quando me diz
precisar de ajuda para um trabalho de pintura na escola
e eu escrevo-lhe um email catita
e nesta noite esqueço tudo
digo a mim mesmo:
vou morar com ela,
que se fodam as dívidas!
Vou a casa dela à noite, peço-lhe desculpa
aceita-me de volta
eu quero vir morar contigo de vez.
E ela diz-me que tem de pensar
e eu digo que compreendo
e sei no fundo que o 'tem de pensar'
significa que falta faísca, falta paixão
mas no dia seguinte ela telefona
e pergunta se eu estou bem
dá uma de madre superiora e pergunta:
ficaste chateado comigo?
Eis como se passa de cabrão a cornudo:
ela que foi abandonada por um marido
que lhe levou as filhas e o sustento
abandona-me e faz o joguinho da
femme fatale do bairro e ainda assim
precisa de dinheiro!?
(para fazer uma pedicure a dedos com micose.)
Como leio numa tradução brasileira de Erving Goffman:
'um psicótico é tolerado pela mulher,
até que esta encontre um namorado.'

mas não te preocupes
não morrerá ninguém
eu não tenho ciúmes
e mando-te foder
ao dedicar-te o livro
e dizer:
o meu coração é teu
'até que a morte nos separe.'

domingo, 20 de abril de 2014

76.

Foi um fim de semana marado.
A ansiedade faz-me fumar.
Sempre fumar até acabar.
Fumo até acabar e digo:
quando acabar acabou e
não se pensa mais nisso.
Então, até parece que fumo mais,
ansiosamente,
não paro de fumar até que acabe,
acelero o travo do fumo e
fumo mais em menos tempo.
Até que acabe.
Enquanto acaba aquilo que dizia antes,
que não pensava mais no caso hoje
e só amanhã fumaria mais,
tudo isto deixa de fazer sentido.
O primeiro pensamento é marcar o número
que me dará paz e
me retirará a ansiedade.
Hoje isto não aconteceu.
Fumei freneticamente mas
não marquei o número.
Hoje estou a ouvir The Legendary Pink Dots.

75.

Eu sempre e quando quiser
lutarei por uma cona.
Não digo à primeira mas à quarta
ou quinta e se estiver na
right frame of mind - eu pinarei.
Este pensamento não deve ser só escrito
por estar a ouvir Mão Morta.
Este livro que se anuncia
com um fim próximo...
tenho de lhe determinar um fim.
Há anos que lhe dei o nome
mas a sequência temporal prescreveu
e não prefiguro um novo colapso.
Adquiri um certo poder de encaixe
e quando quiser pinarei
de novo. É só ter paciência
para aturar a vossa malícia.

74.

Fumo um sufi. Ouço Copacabala.
Vim de terras estranhas há duas horas.
Tinha fome. Em dois cafés diferentes tomei
dois cafés, um panike e um lanche aquecido.
Vim embora de terras que
hão-de ser sempre estranhas.
Já mudei de vida infindáveis vidas e
agora chego à conclusão:
é melhor trabalhar do que aturar pessoas
rabugentas. Hoje faz anos a república.
Há quem se case por obrigação,
outros por liberdade.
Há quem viva torturado por erros de liberdade.
Sei de quem falo.

Hoje chateei-me com ela.
Fui tentar confortá-la, dar-lhe ânimo mas...
esqueci-me de comprar almôndegas!?
Ela ficara em casa não tendo ido trabalhar
por causa da gripe.
Virou-se contra mim.
O pretexto foram as almôndegas.
Disse que não podia contar comigo.
Textualmente disse:
a merda é  mesma, ter ou não um namorado.
Disse que havia uma conspiração contra ela.
É mais um caso em que uma hospitalização
muda as pessoas à força e as torna
estúpidas e doentes mentais.
Comigo aconteceu o mesmo e agora
vejo e não quero acreditar
na realidade:
ela engordou e parece um elefante,
além disso o seu volume de voz
provoca-me alucinações auditivas.
Ter-me-ei tornado merda
que só merda atrai?
Terei eu nunca deixado de ser merda?

quarta-feira, 16 de abril de 2014

73.

Estou a ouvir Ka-Spel em vinyl.
Terminei com Vallis após o Natal.
Passámos Janeiro a telefonar um ao outro.
Chegamos a um entendimento:
somos só amigos mas também pinamos.
Por isso temos uma ligação.
Gostamos um do outro mas não vejo futuro.
A longo prazo brinco ao plano quinquenal.
Nós mudamos com a ajuda um do outro.
Eu mudei: expludo menos.
Vallis sabe que tem de mudar.
Mas eu tenho de por-me no lugar dela
e imaginar o que será não ter família,
ter de pagar uma renda, comprar comida...
vive tempos difíceis.
Eu porque gosto dela tento ajudar.
É difícil porque ela explode e eu expludo.
Ela quer segurança emocional e dinheiro.
Se não tiver descontrola-se e vem-lhe
o coração à boca.
Tenho de a ajudar a não ser internada
porque
não gosto que façam aos outros o que me fizeram.
Tenho de lhe dar amor e segurança.

72.

Dos altifalantes sai Sister Morphine.
Arranjei emprego hoje e amanhã já
não vou apresentar-me à junta.
Vão-me fazer descontos.
O novo tempo diz que Vallis
não aceitou ainda a nossa separação.
Vallis faz-me sofrer.
Envia mensagens de desespero suicida.
Vallis faz-me sofrer porque sabe que
eu tenho medo que ela se atire ponte abaixo.
Ouço agora Destroy! the film por ZMB.
Este álbum ninguém o comprará,
ninguém se interessa. Agora
vou ver o Mentalista.

terça-feira, 15 de abril de 2014

71.

Comecei a escrever este ficheiro
faz três ou quatro anos.
O tom inicial era o tédio perante
o desemprego, situação médica,
a família, a falta de amor,
a falta de alguém com quem falar,
o sexo claro, a companhia.

Tudo isto me leva ao consumo lúdico
como uma necessidade de refúgio
mistificando a ganza e
tudo isto se torna um fim,
um último reduto, um último amor,
um ideal, uma deusa.
Ainda há pouco tempo um colega dizia:
I wanna be her dog,
um cãozinho para a sua dama
mas ele nunca consumou nem
esta perversão e eu?
Eu tive e deixei de ter
e agora sou um chorão 'que se diz'
com culpa
e que se começa a fartar de pensar em
                                       tê-la de volta
e de o rodopio continuar até fazê-la
                  subir à categoria de totem,
de mãe, de amante impossível
e agora... que tenho Vallis
começo a truncar as frases do ficheiro,
farto-me de tentar escrever
as frases que se tornaram pequenas
e tão absurdas
'o meu escrever está errado desde o início'
e namorar uma mulher é mais agradável
do que ser sugado pelas musas.

Queria escrever mais qualquer coisa
mas a minha companheira telefona-me
dizendo ter recebido tempo de telemóvel
grátis
e então não vou escrever mais
e vou ouvir a sua voz
ao ouvido.

segunda-feira, 14 de abril de 2014

70.

Sabes uma coisa minha alma...
eles devem apenas ouvir os infra-sons
da minha mente e ouvir a voz
quando falo alto pelo que neste caso
o meme é passado por via oral
e chega a mais gente,
chega à vizinhança e à autoridade.
Quanto às imagens dos meus olhos
ou à descodificação vídeo das imagens em memória
penso ser preciso provar tal acontecimento.
Às vezes, uso óculos escuros,
às vezes não uso óculos escuros.

69.

Ela gosta de ti
        como nunca ninguém gostou
e eu
apenas gosto dela
       diferente de alguma vez antes.
Com ela deixo-me esquecer
                       traumas amorosos.
Com ela acredito que
                   possa acontecer mas
a conclusão parece a mesma:
                        não há finalidade.

Só no meu sofá
Só com o radiador eléctrico de calor
Só com a minha incorporação de Mahakali
Só com a minha miúda em memória
Só com Vallis
Só com uma peça de hash
Só com um livro de física quântica
Só com um cobertor nos pés
Só com a televisão desligada
Só com a minha voz recitando
Só com a minha mão escrevizando isto.

Vallis dá-me um beijo
e dois números de telefone para emprego.

quinta-feira, 10 de abril de 2014

68.

Olá Vallis,
a esta hora estarás a dormir
a esta hora espero que estejas a descansar
hoje não estou contigo, estou longe
fisicamente estou longe de ti
mas afirmo querida Vallis
apenas fisicamente longe estou
porque estou a pensar em ti
porque estou a escrever o que poderás
                                      estar a sonhar
estou a escrever e a pensar em ti e
a tentar ajudar Vallis à distância
eu sei como estás só eu sei
mas hoje nada posso fazer
por isso digo:
gosto muito de ti
gosto do teu novo penteado
gosto da tua força de lutar Vallis
peço-te que não cedas agora
peço-te que não acordes derrotada
peço-te que não penses que estás só.
Eu estou contigo.

67.

Ouço na rádio antena 2
o programa Raízes com o cruzamento
de música clássica e flamenco.
Vallis dorme. Ouço o seu respirar pesado.
Ontem dormiu quase doze horas,
depois de dois dias sem dormir.
Estamos a cêgripe já na curva descendente.
Vallis ressona. Outras vezes,
sou eu que ajeito este caderno
                                 em que escrevo
mexendo nas mantas que nos cobrem
e ela quase que acorda.
Ouço o dedilhar da guitarra e beijo-a.
Ela, de olhos fechados e eu adorando
a sua beleza de olhos fechados
e ela de olhos fechados diz que me ama.
Isto dá-me tusa e faço
                                  um desenho.

quarta-feira, 9 de abril de 2014

66.

Flashback noticioso
Recebo um telefonema quando estou na sede.
Diz meu pai que devo vir já para casa.
Está a polícia à minha espera,
à minha procura para assinar um papel.
Quando contorno e começo a descer a rua de casa,
dois oficiais da psp saem do carro:
um homem e uma mulher polícia.
Ela, sorridente de autoridade, diz meio a brincar:
- estavas a demorar
Não ligo importância. A agente traz um ofício
e diz que me foi decretado qualquer coisa parecida com
tratamento domiciliário
e eu tenho de assinar, diz-me.
Apresenta a folha por trás, marca a cruz
e eu assino. O ofício tem duas páginas
e ela dá-me só a segunda com a conclusão
do despacho.
Como a primeira folha dizia o tribunal,
o nº do processo e outra informação relevante
sou deste modo censurado.
'Um esquizofrénico não tem direitos': toda a gente o pensa.
Não faço caso. Leio a conclusão:
mantém-se o ambulatório compulsivo e
solicita-se nova avaliação daqui a mês e meio.
Penso que só depois de novo relatório médico
o tribunal retirará o 'compulsivo' e colocará 'voluntário'.
- quem paga o custo do advogado?, pergunta Vallis.
- eu é que não. Quem me pôs o processo.

65.

Estou em casa.
Ouço Muslimgauze e
uma pequena sequência sonora
faz-me olhar para a porta
pensando que alguém estará a bater.
Então olho e não vejo movimento.
A cortina está silenciosa.
Então não estão a bater.
À minha porta não estão a bater.
Mas nas portas e janelas de Gaza [Janeiro 2009],
nos telhados de uma cidade de refugiados
estão a bater bombas cirúrgicas de fósforo branco.
Numa semana morreram 500 pessoas.
Os judeus deveriam lembrar
a realidade nazi que viveram
e fazer mea culpa com os palestinianos.
Talvez seja uma das razões pela qual
o Irão nega o holocausto de seis milhões de judeus.

terça-feira, 8 de abril de 2014

64.

A catarse ao longo dos dias
anuncia-se e
tudo começa quando
olho as crianças de meus amigos
no café e
ela me devolve um olhar furibundo.
Eu só tenho mais um charro e
digo-lhe que vou comprar:
- espera por mim, volto já.
Mas ela passa-se, não acredita...
- onde vais?, quero ir contigo!
- deixo-te sozinha por meia hora.
Eu não a quero levar porque
não quero que ela conheça o meio.
Mas ela passa-se, não acredita e
começa a gritar, a esbracejar,
a ameaçar e eu na roda
                                por instinto,
a minha mão pára na sua face esquerda
                                em seco.

Tenho sentimentos confusos agora:
não lhe devia ter batido
e a pouca força pouco importa agora
mas não podia deixar ela bater.

Agora, ela descontrolada chora,
grita, chama-me o nome dele
e eu descubro o que estava implícito
e tento acalmá-la dizendo:
- tu não estás a falar com ele,
eu não te vou abandonar,
eu não sou ele,
volto dentro de meia hora.

Saio e regresso a pensar:
o mundo acordará mais feio amanhã,
quebrei a jura de não bater,
fui 'forte com os fracos',
o meu amor por ela é feio
e talvez não seja amor.

Numa tentativa de tentar criar
um ambiente para a paz,
adormecemos ao som da rádio m80
e ela agora 'tão' calma...

segunda-feira, 7 de abril de 2014

63.

Vallis - a 'boa selvagem' do poema,
que nada sabe de tics até ao momento
e a quem eu mostro o meu mundo nético;
Vallis pensa que os textos do blogue
                                  de uma escritora
me são dirigidos a mim,
                       sÓ a mim e tem ciúmes.

O meu caso é mais grave,
comigo a psicose materializa-se.
Explico-me:

Um dia vejo num blogue um post sobre
uma banda chamada Contagious Orgasm.
Durante a noite, ao fazermos yabyum
venho-me em Vallis.
- como foste capaz
- deixei-me levar pela emoção

De manhã, vamos ao hospital,
uma pílula do dia seguinte e
um teste negativo.

Quando dizemos 'até amanhã'
pressinto nos seus olhos a ambiguidade:
talvez se sinta ferida por o filho não nascer
mas se nascesse
seria minha a culpa e ela
apenas uma vítima
tal como é vítima do seu último homem.
Quando nos zangamos e para ela
eu às vezes sou ele:
'os homens são todos iguais'
e quem assim não é e é diferente
é maricas ou maluco.

Vallis toma comprimidos para dormir
                                         em excesso.
Não quer acordar amanhã
nem nunca mais
e quando acorda
vai trabalhar como escrava
com a pujança de quem
                                        novamente
'acordou para a vida.'

quinta-feira, 3 de abril de 2014

62.

Verdade verdadinha:
fazer cedências para expiar
ciúmes, culpas e erros provocados pelo amor
nunca dará bom resultado.

Sucessão de choros e acusações
e de 'não gostas de mim,
não me deixes ficar'
e de 'quem manda aqui,
queres mandar em mim'
e também a facilidade com que
conseguiste arranjar dinheiro de um
homem...
escrevo-te um bilhete:

'Olá, volto amanhã para
entregar as chaves
não me telefones mais
fui-me embora
tive que fazer a trouxa como os ciganos
estou mal disposto e não vou
voltar
vai falar com vai falar com
arranjem uma solução
eu não quero ser controlado
em lado nenhum
se não gostas dos meus amigos
ou de eu ir tomar café
sozinho quando me apetecer,
paciência
não gosto que me cortem as asas
eu não sou chulo nem quero ser chulado'

mas...
o meu amor, o meu desejo
que cria necessidade e
o seu amor, o seu desejo
que cria necessidade
reúne-nos outra vez um mês depois
às vezes, nas masmorras do meu anexo
outras vezes, no seu telhado.

61.

Hoje provoquei ciúmes em Vallis.
Expliquei-lhe o sentido do graffiti
disforme a lume de isqueiro
                     no tecto do anexo
e ela chorou.
Talvez a tenha perdido.
O seu amor já não será o mesmo.
Talvez já não confie em mim.
Eu explico:
Quis testar o amor dela
se era verdadeiro
e ela provou que gostava de mim
mas chorou de desespero
chorou porque não tem mais ninguém
tiraram-lhe as filhas
e uma mãe
a quem tiram as filhas
                             não pode ser feliz
e agora pensa que
                             eu a vou trair
como fez a pessoa
              de quem se está a divorciar
e agora
o seu amor por mim terá
um olhar desconfiado.
'como lhe hei-de provar que' também eu
gosto dela
e que errei
e que dela preciso?

60.

A prima V. é tua mano
mano primo primo mano
a prima V. é tua primo
se ela e tu quiseres
e nem que ela me queira
porque eu já tenho dona
a minha mona não é a prima V.
mesmo que antes tivesse invocado a prima V.
saiu-me na lotaria Vallis.
( e eu aqui rio-me pois o desenvolvimento
da vida-poema o previa
absurda mente)
Tem mania de polícia
ou será só
amor desesperado?

-Tens saudades minhas?
tenho minha querida
-Que fizeste? já arrumaste?
ainda não meu amor
-Mas chegaste agora a casa?
sim minha amora
-Chegaste?
não minha sãota... cheguei a casa
pousei as coisas e depois fui lá
minha amora e só agora
estou em casa
só agora liguei o telemóvel
-E foste aonde? e com quem 'tiveste?

quarta-feira, 2 de abril de 2014

59.

Casmurro fala em solilóquio a Teimosa

São?
querida
Ouves-me querida?
sim?
Estás a ouvir a música?
Pois digo-te que a música é a minha
mãe.
A música.
A música e não o intérprete. O som.
A sonora música.
Podem ser violinas, podem ser pianas.
Podem até ser telefonemas
                  nas horas em que estamos,
ficamos ausentes
                                     depois de
Digo-te São!
digo-te querida!
O mundo é grande!
Nós caberemos dentro dele,
os dois.
Sim São! Nós os dois caberemos dentro
do mundo
e seremos felizes.

São?
São? São? São? São?
Ouves-me São? São? São?
Kerida! Ouves-me São querida?
Um dia querida São
Um dia haveremos de partir
Um dia querida São
Para um longo Lá distante
Um dia São Querida partiremos
Para uma Lá. Seremos
São caseiros de um marajá
Onde em Lá haverá + Ganges
on ganja black bombaim or even
opium hums from soma Lá...
Um dia São. São e Rui partirão.
E Lá morrerá.
E Nós em Lá ou mesmo em Fá
                                   Qui lo saberá?
Um dia são et Moi
                                   Moi et Toi, sãos
partiremos pour La, une petite Lá
                                              Lá

58.

O-que-se-tornou bobo da corte
conhece Vallis no quarto inter-zona-mente.
Ela acredita em mim.
Eu acredito nela.
Somos capazes de ter
            necessidade um do outro.

O engraçado é
ter invocado uma mulher
e uma mulher ter aparecido.
Transcrevo psicofotografia:
'São,
Estou em paz
Deste-me paz
Fizemos amor
Parti-te um copo
Bebi da tua água
Sorveste do meu néctar
Num domingo à tarde
           onde no verso o pintor morreu
Apanhei chuva     e sai na paragem errada
Apanhei chuva     e tu estavas lá
Paz intensa
e já brincamos aos namorados.
Beijo.'

terça-feira, 1 de abril de 2014

57.

Eu Vi, apertei a mão
eu cumprimentei um serafini
eu acarinhei V., são de Vallis,
o serafini cego usava bengala
ontem de manhã comprou-me tabaco
ainda hoje me espanto...
hoje à porta da ala psiquiátrica
hoje cá fora como mano e mana sideral.
Transcrevo mensagem da rainha do hospital
deixado no quadro de honra:

'nem mesmo posso refugiar em casa
de ninguém sempre acontece alguma
coisa, nem sempre pessoas estão
para levar comigo.
Só sei que não consigo dormir
não quero que vocês se prejudiquem por mim
causa de mim
se pudesse voltava aí para dentro
sinto bem à vossa beira
de vocês todos incluído contigo.'

56.

Olá prima V.,
sou eu, o maluco que não dorme
sou eu, o preso 'político',
e nada mais fiz que reivindicar
a justa causa, o respeito e os direitos
de três meses de salário em atraso.

Sou aquele que não recebeu
                              a indemnização
e por isso se tornou
                              momentaneamente
um cão que rosnou ao grande cão
um cão que quase mordeu
e talvez mordesse
se não fosse parado à força.
(por isso, a culpa também é minha
mas, às vezes, esqueço o mal
que me fizeram)

Sou aquele a quem vão fritar
                             os miolos porque
tive de assinar um papel
uma autorização para uma injecção quinzenal,
sou aquele que por ter assinado este papel
pode sair hoje ou amanhã
ir a tribunal psiquiátrico dizer:
'agora tenho uma namorada'
dizendo com isso aceitar o édipo
dizendo com isso aceitar inverter o triângulo
dizendo que o seu sorriso me dá
uma finalidade à vida
e me faz sentir bem...
quando o tribunal mental com isso nada se importa
e tão só com
controlar quimicamente
as manifestações físicas da minha violência.